Análise | Trails in the Sky 1st Chapter, a jornada recomeça, e isso é bom
Vinte anos depois, a Falcom não apenas restaura sua obra-prima, mas a reconstrói com a sabedoria adquirida, criando o ponto de partida definitivo para uma das maiores sagas dos JRPGs.

Há uma arte em saber o que preservar e o que evoluir. Trails in the Sky 1st Chapter é a personificação dessa arte. Mais do que uma simples camada de tinta em um clássico cult, este remake é uma reconstrução meticulosa, feita de baixo para cima, que mantém a alma, o roteiro e o coração do original intocados, enquanto o envolve em um corpo mecânico e visual digno da geração atual. O resultado é uma experiência que consegue ser, ao mesmo tempo, um presente para os fãs veteranos e o mais acolhedor e robusto convite para novos aventureiros.
Para os não iniciados, a franquia Trails é um Sansão dos JRPGs: uma saga colossal com mais de uma dezena de jogos interligados, contando uma história contínua. Essa magnitude sempre foi sua maior força e sua maior barreira. Lançado 21 anos após o original, este remake não apenas quebra essa barreira, ele a pulveriza. Utilizando as lições aprendidas ao longo de toda a série , a Falcom criou o que é, sem dúvida, o ponto de entrada ideal para este universo, provando que uma boa história, quando bem contada, nunca envelhece.
Um mundo que respira, agora em 3D
O maior trunfo da série Trails sempre foi sua incomparável construção de mundo, e este remake eleva esse aspecto a um novo patamar. Ver o Reino de Liberl, antes renderizado em cenários isométricos, agora como um mundo totalmente 3D é quase mágico. A direção de arte é vibrante, colorida e expressiva, resultando no que considero o jogo mais bonito que a Falcom já produziu.
A alma do mundo, no entanto, permanece nos seus habitantes. A tradição da série de ter cada NPC com nome, personalidade e diálogos que mudam após cada evento da história foi mantida. Essa dinâmica faz com que Liberl se sinta viva, um lugar que existe independentemente do jogador. Minha única ressalva, um eco do material original, é que a escrita desses NPCs, embora charmosa, carece da profundidade e das subtramas vistas em arcos posteriores como Crossbell ou Cold Steel.
A jornada é o destino: ritmo e narrativa
Prepare-se: Trails in the Sky 1st Chapter é uma experiência de ritmo lento, um “slow-burn” deliberado. O jogo dedica suas horas iniciais para que você se apaixone pelo mundo e seus personagens antes de mergulhar no conflito principal. A história de Estelle Bright e seu irmão adotivo Joshua, enquanto viajam para se tornarem “Bracers” seniores e investigam o desaparecimento de seu pai, é contada com paciência e um calor humano raro.
A narrativa é praticamente intocada, e isso é um acerto. Estelle continua sendo uma das protagonistas mais cativantes dos RPGs: impetuosa, de bom coração e maravilhosamente falha. O que eleva a experiência neste remake é a adição de dublagem completa para quase todas as cenas principais da história. A química entre os dubladores, especialmente Stephanie Sheh (Estelle) e Johnny Yong Bosch (Joshua), fortalece ainda mais os laços de um elenco já memorável. Embora existam pequenas inconsistências na direção e edição das falas, o resultado geral é um grande avanço para a imersão.
O casamento perfeito de ação e estratégia
Aqui reside a maior evolução do remake. Abandonando o sistema puramente por turnos, o jogo adota a abordagem híbrida vista na saga Daybreak. Você pode atacar inimigos diretamente no mapa em tempo real, com combos fluidos e responsivos, ideal para eliminar adversários mais fracos sem interrupções. No entanto, com o toque de um botão, a batalha transita instantaneamente para um sistema de comandos por turnos, onde a estratégia reina.
Essa fusão é, na minha opinião, um dos melhores sistemas de combate em qualquer JRPG recente. Ele equilibra perfeitamente a gratificação da ação com a profundidade tática, garantindo que nenhum dos dois sistemas se sinta subutilizado. O combate por turnos mantém a essência do original, incluindo o sistema “Orbment” de personalização de magias (Arts) , mas o enriquece com mecânicas refinadas de toda a série, como Chain Attacks e Overdrives. Uma mudança notável para veteranos é que a manipulação da ordem de turnos para “roubar” bônus se tornou mais restrita, exigindo um planejamento mais cuidadoso.
Conclusão
Trails in the Sky 1st Chapter é um exemplo primoroso de como um remake deve ser feito. Ele demonstra um profundo respeito pelo material original, preservando sua narrativa rica e personagens inesquecíveis, ao mesmo tempo que tem a coragem de modernizar completamente sua jogabilidade e apresentação, implementando as melhores ideias que a Falcom desenvolveu ao longo de duas décadas.
A avaliação final de Trails in the Sky 1st Chapter pende para o positivo, consolidando-o como um triunfo do design de remakes. Seus méritos são vastos e impactantes, começando por uma reconstrução visual deslumbrante que consegue ser fiel à arte original enquanto a eleva a um padrão moderno. O brilhante sistema de combate híbrido, que mescla ação e estratégia de forma quase perfeita, representa o ápice da evolução da Falcom. A narrativa e o desenvolvimento de personagens, que já eram o pilar do clássico, ganham ainda mais vida com a bem-vinda adição de dublagem e melhorias cruciais de qualidade de vida, como mapas detalhados e viagem rápida. No entanto, o jogo não consegue se desvencilhar completamente das amarras de sua idade.
O ritmo inicial da história permanece extremamente lento, uma característica que pode testar a paciência de novos jogadores, e a escrita dos NPCs, embora funcional e charmosa, carece da complexidade e das subtramas que se tornaram marca registrada dos arcos posteriores da série. Juntamente com pequenas inconsistências na direção de áudio, essas falhas são resquícios notáveis de uma era passada, mas que, no grande esquema, servem apenas como pequenas manchas em uma obra de arte meticulosamente restaurada.
Nota: 8,5/10
Uma cópia de Nintendo Switch foi gentilmente cedida pela GungHo para realização desta análise.