Análises

Review | Indiana Jones e o Grande Círculo

Desde os primórdios dos games, poucas franquias cinematográficas inspiraram tantas adaptações ambiciosas — e tantos tropeços — quanto Indiana Jones. Após tentativas que oscilaram entre o esquecível (Staff of Kings) e o cultuado (Fate of Atlantis), a MachineGames, estúdio por trás da aclamada reinvenção de Wolfenstein, assume o desafio de reviver o arqueólogo mais carismático do cinema. Indiana Jones and the Great Circle, exclusivo para Xbox Series X|S e PC, não apenas honra o legado da série, mas redefine o que um jogo de aventura pode ser quando equilíbra narrativa, jogabilidade e reverência à fonte original. Prepare-se para uma análise detalhada que mergulha nas entranhas desta experiência que promete ser um marco para o gênero.

Sinopse

Situado cronologicamente entre Os Caçadores da Arca Perdida (1981) e A Última Cruzada (1989), o jogo explora um período pouco documentado da carreira de Indy: sua fase como professor universitário, dividido entre a vida acadêmica e o chamado das relíquias perdidas. A trama se desenrola quando o protagonista é arrastado para uma conspiração global envolvendo o “Grande Círculo”, uma rede de monumentos ancestrais que, segundo lendas, canalizam energia cósmica capaz de reescrever a história humana.

A jornada leva Indy a cinco continentes, incluindo locais como os templos subterrâneos de Petra, as florestas tropicais do Sudeste Asiático e uma Moscou stalinista repleta de segredos arqueológicos. No caminho, ele enfrenta Gideon Voss, um ex-cientista nazista que escapou do Julgamento de Nuremberg e agora comanda uma seita obcecada por tecnologia ancestral. A narrativa mistura elementos de ocultismo, geopolítica da Guerra Fria e mitologias reimaginadas, tudo costurado por diálogos afiados que capturam o humor ácido e a humanidade do herói. Expectativas de cameos de personagens icônicos? Mantenham os olhos abertos.

Gameplay: O chicote, a pistola e o caderno de notas

A jogabilidade de The Great Circle é uma mistura ousada de gêneros, dividida em três pilares principais: exploração, combate e resolução de enigmas.

Exploração e plataforma

Em terceira pessoa, Indy escala paredes erosionadas, balanceia com o chicote sobre abismos e desvia de armadilhas ancestrais com uma fluidez que lembra Uncharted, mas com um realismo tátil único. A física do chicote é um destaque: cada uso exige cálculo de distância e força, seja para alcançar uma saliência, puxar uma alavanca ou desarmar um inimigo. Ambientes são projetados como “quebra-cabeças espaciais”, onde observar padrões na arquitetura ou na vegetação é crucial. Um exemplo notável é uma sequência em um templo maia, onde o jogador deve alinhar portais com a luz do sol para revelar passagens secretas.

Combate

A decisão de adotar uma perspectiva em primeira pessoa para o combate gera estranhamento inicial, mas logo se revela genial. A imersão é intensificada quando vemos as mãos de Indy sujas de terra, segurando uma pistola 1911 ou uma pedra arremessada como distração. O combate é brutal e tático: inimigos reagem a ferimentos específicos (um tiro na perna reduz mobilidade, um no braço fazem largar armas), e o ambiente pode ser usado a favor — derrubar estantes para criar cobertura, incendiar depósitos de óleo ou até soltar uma cobra venenosa de um cesto.

O sistema de stealth é surpreendentemente profundo. Além de se esconder na penumbra, é possível usar o chicote para criar ruídos de distração, jogar objetos como garrafas vazias, ou até imitar vozes de inimigos (graças a um gravador portátil que Indy carrega). Em uma missão em um aeroporto soviético, por exemplo, disfarçar-se como um oficial usando documentos falsos e dominar o sotaque russo é tão viável quanto uma abordagem violenta.

Quebra-Cabeças

Os puzzles são onde The Great Circle mais se diferencia de concorrentes como Tomb Raider. Não há “modo detetive” ou marcadores que entreguem soluções — o jogador precisa analisar o caderno de notas de Indy, repleto de desenhos, textos em idiomas antigos e anotações marginais. Decifrar um enigma pode exigir:

  • Cruzar informações de hieróglifos com constelações estelares;
  • Usar uma luneta para identificar marcos geográficos alinhados com ruínas;
  • Reconstruir artefatos quebrados com peças espalhadas pelo ambiente.

Em uma das sequências mais memoráveis, Indy precisa montar um mecanismo de engrenagens baseado em um esquema do caderno, mas peças ausentes obrigam o jogador a improvisar com itens do ambiente, como cordas e pedras.

Progressão e customização

Embora não seja um RPG, o jogo oferece upgrades significativos. O chicote pode ganhar novas amarrações (como prender em ganchos metálicos), a resistência aumenta para escaladas mais longas, e até a arqueologia evolui, com Indy aprendendo a decifrar idiomas adicionais. Itens colecionáveis, como diários de exploradores falecidos, adicionam camadas à lore e desbloqueiam recompensas estéticas (chapéus alternativos, trajes de outras culturas).

Gráficos: uma cápsula do tempo em 4K

A MachineGames entrega um dos visuais mais impressionantes da geração, graças a um motor gráfico que mescla técnicas de ray tracing dinâmico com uma direção de arte meticulosa.

Ambientes e Iluminação

  • Cada cenário é uma aula de diversidade visual:
  • Desertos com partículas de areia que dançam sob ventos intensos;
  • Florestas onde a luz do sol filtra-se por folhagens em movimento realista;
  • Interiores úmidos, com reflexos de água em poças e mofo crescendo em paredes.

A iluminação é a estrela: tochas projetam sombras dinâmicas que revelam entradas secretas, enquanto tempestades de areia no Saara criam efeitos de luz difusa que desafiam até Forza Horizon 5.

Modelos de personagens e animação

Indy é uma reconstrução digital quase perfeita de Harrison Ford nos anos 80, com expressões faciais capturadas em detalhes microscópicos — desde o levantar de uma sobrancelha cética até o sorriso sarcástico após escapar de uma armadilha. NPCs principais, como Lena, uma espiã francesa com seu próprio arcabouço narrativo, também impressionam, embora personagens secundários tenham menos polimento.

As animações de corpo inteiro são fluidas, especialmente em cenas de perseguição, onde Indy tropeça, rola e se arrasta de maneira orgânica. A física de tecidos (o casaco balançando, o chapéu voando em quedas) merece menção especial, assim como os efeitos de destruição ambiental — derrubar uma estátua de madeira apodrecida e vê-la esfacelar-se de maneira única é uma delícia voyeurística.

Desempenho

Testado no Xbox Series X, The Great Circle oferece dois modos principais:

  • Modo Qualidade (30 FPS): 4K nativo com ray tracing em reflexos e sombras, ideal para explorar ambientes;
  • Modo Performance (60 FPS): 1440p dinâmico com taxas de quadros estáveis, perfeito para combates intensos.

Não houve quedas perceptíveis de FPS em nenhum dos modos, mesmo durante explosões em tela cheia. O SSD elimina telas de carregamento — transições entre cutscenes e gameplay são contínuas, com exceção de viagens rápidas entre continentes (carregamentos de 2-3 segundos).

Durante todo o jogo, encontramos apenas dois bugs menores: uma textura de parede que não carregou em uma masmorra e um inimigo que ficou preso em uma animação de morte. Nada que comprometa a experiência.

Conclusão

The Great Circle não é apenas um grande jogo de aventura — é uma celebração da essência de Indiana Jones: a busca pelo desconhecido, o humor no caos e a aceitação de que mesmo heróis têm medos e dúvidas. A MachineGames entendeu que o fascínio da franquia nunca esteve apenas nas relíquias, mas na jornada humana por trás delas.

Com uma jogabilidade que respeita a inteligência do jogador, gráficos que rivalizam com blockbusters cinematográficos e uma narrativa que expande o cânone sem trair suas raízes, este é o jogo que os fãs esperavam há décadas. Se você tem um Xbox Series X|S, considere este título um must-have. Para os demais, talvez seja a hora de investir no console.

Nota Final: 9.5/10

Gabriel Magalhães

Criador do Forever Jogando. Produz conteúdo no segmento de jogos eletrônicos e cultura pop desde 2015. Além do FJ tem textos publicados em grandes portais, como Uol (Start) e GameHall.
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